Queridos Amigos, Colegas, Alunos, todos .
Compartilho minha reflexão deste tempo – final de ano.
Convivem em mim, várias partes que tentam dialogar entre si.
Confesso que, como ser humano perfeitamente imperfeito que sou, às vezes, não sei, qual dessas partes é a mais certa ou a que pedido urgente tenta dar resposta. São muitos os pedidos…conscientes, inconscientes… do mundo fora, do mundo dentro. A maior parte do tempo , urgentes.
A supremacia da actividade, da productividade e do consumo a que a sociedade nos leva ,confesso que me lança num cansaço que vai para muito além do corpo. E no tempo em que o cansaço me convida à rendição e aceito, saio da hipnosis colectiva e me inundam muitas perguntas. Às vezes encontro sim, respostas e encontros profundos, sobretudo comigo e me dou as boas vindas. Tudo fica mais claro. E respiro ou melhor, suspiro e logo respiro melhor.
Durante este 2020 tenho acompanhado na minha vida pessoal e na Psicoterapia, direta e indirectamente : drama; loucura; indignação; alegria; surpresa; mentiras; confusão; choque; luto; encontro; desencontro; dor de solidão; alegria por finalmente estar só; falta de abraços; abraços furtivos; morte; renascimento; desolação; tristeza; saudades; compaixão; gratidão….poderia seguir muito mais.
Nada disto será totalmente extranho para nenhum de vocês….. são coisas do Humano..
Por vezes, durante este tempo, pensei e senti a necessidade de fantasiar, retirar-me para algum lugar isolado na natureza. Deleitar-me até o final dos meus dias com um jardim de flores, árvores variadas, plantas medicinais, uma horta biológica, uma casa pequena , música e muitos livros……e também não é novo e não só é uma fantasia de 2020 … aparece mais quando o cansaço de estar cansada não encontra no corpo, nem que seja por momentos, um contentor contente.
Penso muito na finitude, na morte. Reflicto sobre ela, com a amabilidade de que sou capaz. Leio, escuto, fico em silencio com o meu sentir interno e barulho dos meus pensamentos. Deve ser também o efeito natural dos 50 anos que estou prestes a completar.
Durante este ano provavelmente, ficou mais dificil estar ” confortável ” nesta pseudo confortável sociedade de constantes urgências. De constante cansaço, de tantas pseudo necesidades desejadas mas não essenciais de tudo, que hipotecam a nossa vida tao rápidamente, que nos lançam na auto negação para não tomar contacto com a falta de contacto.
Neste momento de crise , como em toda crise, há essa possibilidade de despertar. Há perigo e também oportunidade. Mesmo que sejam momentâneas ráfagas de ar livre, cálido e com tempo para saborear a sua frescura e pureza. O simples e puro aparece e podemos ver e sentir a sua verdade.
Ficamos extasiados com a natureza que teve um respiro pela ausencia de alguns meses da ação e destruição do ser humano, pelo confinamento, de assistir ao mundo animal mais espontâneo, das saudades do simples, do toque, das conversas e partilha física presentes.
De mais conversa de coração, de mais gratidão, mas a urgência, a pressa e a supremacia da actividade e produtividade continua e, em muitos casos ainda acelerou mais, ao mesmo tempo que outros muitos ficaram em suspenso, sem ar nos pulmões, nas suas vidas, nos seus projetos… acelerou para muitos, travou para muitos.
Sou mãe de três maravilhosos jovens, de 21, 19 e 14 anos. Estou com o meu companheiro de vida há 30 anos . São parte vital do meu coração e alma.
Sou Psicologa, Psicoterapeuta e Formadora há uns 25 anos.
Se paro de verdade e me dou essa pausa humana, com contacto, de verdade com o meu coração, com a minha experiencia de vida, leituras, viagens pelo mundo, na realidade, toda esta aparente loucura não me surpreende. Dou por mim, quando me apanho ” desperta”, querendo ficar chocada com todos estes acontecimentos, que os experimento com tantas sensações, emoções e significados tão extremos. E me apanho indignada, crítica, impotente, triste e quando novamente dou espaço aparece, uma outra parte de mim que tenta dialogar comigo e pergunta – porque estás tão chocada e triste?
Decide de que queres formar parte e junta a melhor versão de ti. Passa da teoria filosófica da transformação e desenvolvimento pessoal para o “sentir” primeiro em ti por que isso é o urgente agora –
Estar com atenção sem demasiada tensão.
Abrir com mais qualidade o coração, mas não só para criar ou acolher as mensagens lindas que circulam e que recebes, mas para também acolher o absurdo, o louco, o sombrio, o incerto e também estar grata e ficar curiosa por poder ter contacto, porque isso é “Ser humano”.
Não sei como será o 2021. Se prevê também muito exigente. Por isso quero que as minhas partes todas possam dialogar para poder colocar mais coração, cabeça e corpo ao que for surgindo. Conseguirei sempre? Não !
Então comigo, terei que ver se consigo de novo pausar, negociar com as minhas partes e chegar a algum acordo. Acolher a minha perfeita imperfeição. Se não o faço comigo honestamente, como o poderei fazer convosco?
Meus votos não vão tanto em vos desejar o melhor. Lamento! Não tenho esse poder. Desejar é imaginar, não me implica, é muito abstrato, sai fora de mim, me parece muito longe. Vou tentar, sim, tomar a minha parte e tentar em cada encontro convosco, pelo canal que for, estar atenta, desde o meu lado humano, deixar ser tocada pelo vosso humano e tentar o encontro verdadeiro, seja para sorrir, chorar, ficar em silencio, achar que estamos em desacordo, mas estar grata por humanamente encontrar outro ser humano e ter essa experiência sem a espectativa ou a ilusão do controle do que idealizo que tem que ser.
Pretendo manter mais desperto o meu coração , minha mente e o meu corpo para o contacto humano convosco. É urgente Amar de verdade. Vou tentar com todas as minhas forças.
A história do ser humano também nos ensina que as crises são cíclicas e que são o prelúdio duma fase luminosa, creativa, com mais consciência, com vontade humana de reconstruir, inovar, reestructurar. Também asistiremos sem dúvida e o nosso coração e alma celebrará .
Já faltou mais.
Venha 2021. Estou .
Com Muito Amor.
Maria del Mar Cegarra Cervantes